A arte de fazer rir é uma prática antiga, muito bem utilizada pelos reis da época, através do chamado “bobo da corte”, para satirizar episódios rotineiros e políticos da rica sociedade. O riso sempre foi um mecanismo muito bem inserido no dia a dia. Serve como ferramenta de distração para os diversos problemas que o ser humano enfrenta, traz leveza, sensibilidade e relaxamento em vários pontos físicos e emocionais do corpo humano.
Atualmente, o palhaço é diferenciado em diversos contextos, sejam eles, nas festas infantis, circo, na rua, animações e porque não no ambiente hospitalar? Essa capacidade de levar alegria de forma terapêutica, traz ao “palhaço hospitalar“ a confiança da equipe multidisciplinar e de toda sua composição, devolve e constrói nesse ambiente tão vulnerável sensações que ficam estacionadas e anuladas, como o prazer pela vida, liberdade de sentimentos, empatia, gratidão, aceitação de situações difíceis, escuta, paciência, aberturas para diversas abordagens terapêuticas, confiança em si e na equipe, conformidade, entre outros.
O “ Clown Terapeuta” assumiu um importante papel no que compõe o fluxograma integrativo da cura e da estabilidade emocional, servindo de seguimento para as práticas terapêuticas dentro das dificuldades que os profissionais da saúde enfrentam nas investigações de anamnese e rotinas no serviço com cuidadores e pacientes. Eis que surge um trabalho cada vez mais respeitado por instituições públicas e particulares, que requer uma formação direcionada no qual denomina-se a prática da “ Palhaçoterapia”.
A ideia surgiu no ano de 1980, quando o oncologista infantil, Patch Adams, transformou o ambiente do hospital e a relação médico-paciente através do amor, do humor e da gentileza. Desde então esse trabalho tem sido realizado por milhões de voluntários em hospitais de todo o mundo, incluindo o Hospital Peter Pan.
Esta terapia integrativa foi implantada este ano no novo setor de Saúde Mental do Hospital Peter Pan, coordenado pela psicóloga Mariana Bruno, por meio do Integrare. O projeto utiliza a medicina integrativa como yoga, reike, musicoterapia, aromaterapia, arteterapia, massoterapia, microfisioterapia e a palhaçoterapia para ajudar os pacientes e seus familiares a enfrentar o processo de tratamento do câncer infantojuvenil
No dia a dia do hospital, a Palhaçoterapia traz esperança, alegria e empatia como itens da composição medicamentosa da alma, amenizando os efeitos colaterais da composição medicamentosa física.
Os Clowns terapeutas, Soneto Chopin (Felipe Benevides) e Vivalda Mafalda (Lívia da Silva), vêm realizando e ampliando essa prática nos últimos 3 meses no Hospital Peter Pan, por meio de intervenções semanais. Eles visitam a unidade de internação, com algumas demandas de setores específicos trazidos pela equipe médica e da psicologia. Durante essas visitas eles buscam devolver a alegria, facilitar as aberturas para abordagens que, até então, estão com dificuldades devido à resistência familiar no processo de aceitação da doença, diminuir o stress e a ansiedade, aumentar a confiança e a esperança, relaxamento, aumentar a imunidade, dentro muitos outros benefícios. Os Doutores Palhaços Soneto Chopin e Vivalda Mafalda, contam um pouco sobre a experiência da palhaçoterapia e a vivência nos corredores dos hospitais:
Associação Peter Pan: Como vocês começaram a fazer esse trabalho de Palhaçoterapia?
Vivalda Mafalda (Lívia): Comecei esse trabalho voluntário em 2001. Existiam várias vertentes de palhaços, porém o palhaço hospitalar se sobressaia dentre as demais. A partir disso eu comecei a me aperfeiçoar, busquei outras formações como o teatro, informações na própria psicologia, leitura de ícones que aprofundaram a palhaçaria hospitalar, além de fazer contatos com outros grupos, tanto do Brasil quanto de fora dele, que já atuavam com a Palhaçoterapia. Foi quando eu realmente entendi qual o papel do palhaçoterapeuta no processo de cura da criança. Foi um processo transformador que possibilitou me conhecer e reescrever quem eu sou
Soneto Chopin (Felipe): A minha história com a Palhaçoterapia começou há 5 anos atrás em um momento muito difícil da minha vida. Minha mãe havia se acidentado e toda a família estava acompanhando ela no IJF (Instituto José Frota). Era véspera de Natal e só isso fez com que a situação já ficasse mais complicada. Naquele momento havia um grupo de palhaço terapeutas no hospital. Aquela moça de nariz vermelho me chamou a atenção, mas não de uma forma positiva. O que passou na minha cabeça foi aquela sensação de “Tomara que ela não venha aqui”. Aquilo era uma afronta a minha dor. Eu achei que ela não tinha me visto, mas na verdade ela não só me viu, como sentiu que não havia abertura ali e o que lhe restava a fazer era passar por mim. Isso foi o suficiente. Aquela moça foi o gatilho que eu precisava naquele momento para tomar decisões importantes. Naquele momento eu percebi que o papel do palhaçoterapeuta não está necessariamente na alegria, mas sim na capacidade de enxergar o que o próximo precisa em determinado momento. Seja do riso, seja do silêncio. Depois disso fui atrás do meu sonho. Busquei formações, cursos, participei de um projeto durante dois anos de palhaçaria hospitalar, mas meu objetivo sempre foi fazer a palhaçoterapia. Busquei isso e desde então venho desenvolvendo esse trabalho em diversos hospitais de Fortaleza.
Associação Peter Pan: O que é preciso para ser um Palhaçoterapeuta?
Soneto Chopin: Antigamente o curso de palhaçoterapia estava atrelado aos cursos de saúde, sendo uma extensão para quem fazia medicina. Hoje em dia isso mudou. Qualquer pessoa pode estar realizando este trabalho, contanto que passe pelos treinamentos adequados.
Vivalda Mafalda: Os cursos para a palhaçaria são bem semelhantes a faculdade. Você faz o curso geral de palhaçaria e depois se especializa. Eles passam muito rapidamente pelo dr. Palhaço. Não chega a ser uma formação, está mais para um contexto geral. Quando você realmente se aprofunda no palhaço dentro do ambiente hospitalar aí sim estará passando por uma formação, porque não é algo que acontece da noite para o dia. É um curso longo que faz você se redescobrir, reencontrar sua criança interior. Hoje, não é mais necessário que os interessados façam parte do setor de saúde. Porém, o treinamento é muito importante. Aqui no Hospital Peter Pan, por exemplo, a Palhaçoterapia traz a humanização para o ambiente do hospital, além de respaldar a própria instituição. O treinamento mostra que realmente é feito um trabalho sério, direcionado e preocupado com o emocional dos pacientes. Mesmo que o voluntário tenha feito outro treinamento fora é importante que ele faça o treinamento da instituição para entender o ambiente em que estará inserido e o público diferenciado.
Associação Peter Pan: O palhaço que atua no hospital é diferente o palhaço de circo?
Soneto Chopin e Vivalda Mafalda: Sim, com certeza. Cada palhaço se adequa ao ambiente em que estará inserido, seja no circo, na rua, em festas ou no hospital. Geralmente, nos três primeiros casos, o profissional já traz seu espetáculo pronto, montado, mas na palhaçaria hospitalar isso muda. Não dá para saber antecipadamente o que irá acontecer, em qual estado de espírito você encontrará o paciente. Toda intervenção é algo novo. Por isso a empatia é algo muito importante quando se fala em Palhaçoterapia. É observar se aquela criança está lhe dando abertura ou não, usar objetos do próprio ambiente para fazer a intervenção. Se eu levo uma guitarra, por exemplo durante minha intervenção, vai impactar o paciente, mas quando eu for embora e levar o artifício fica uma espécie de vazio. Mas se eu uso o controle da TV simulando uma guitarra, sempre que a criança ver aquele objeto ele vai lembrar de momentos bons. Isso é técnica trabalhada nos treinamentos.
Associação Peter Pan: A caracterização influencia no trabalho do Palhaçoterapeuta?
Soneto Chopin: Sim. Nós seguimos duas vertentes. A primeira é que se eu quero me aproximar de alguém preciso ser o menos agressivo possível. Então a nossa maquiagem precisa passar isso, tem que trazer o que temos de mais marcante em nossa essência. Essa caracterização detém o grande poder de sermos aceitos, recusados ou de podermos negociar uma aproximação. Por exemplo, evitar curvas fechadas nas sobrancelhas, porque isso vicia em expressões negativas, evitamos o colorido exacerbado, muito glitter, enfim. A ideia é explorar a essência do Palhaçoterapeuta e não o personagem em si. A intenção é que a imagem seja a mais próxima possível dos traços do ser humano, destacando traços marcantes que temos. Eu não estou vestindo uma máscara. Estou expondo quem eu sou.
Vivalda Mafalda: A questão do uso do jaleco é algo muito interessante. As pessoas costumam questionar o uso dessa vestimenta, alegando que somos palhaços, não doutores. Mas isso foi algo implantado pelo próprio dr. Patch Adams. Ele queria desmistificar essa questão do medo do médico, de fazer com que o paciente visse esse profissional como um amigo. A intenção do jaleco é ajudar na abertura junto a esse paciente. Ele vai associar a ideia do “Doutor”, mas de maneiras diferentes. Por isso, o Palhaçoterapeuta procura se adequar àquele ambiente. Os próprios profissionais da saúde relatam que há mudanças depois da intervenção do Dr. Palhaço. São os 3 estágios: antes da visita do Palhaçoterapeuta, durante a visita do médico propriamente dito e depois da visita do médico. O paciente fica em uma vibe mais leve.
Associação Peter Pan: Existe diferença na abordagem do adulto, da criança e do adolescente?
Soneto Chopin: Tudo começa a partir da percepção. Essa é uma das partes mais discutidas nos treinamentos dos Doutores Palhaços. É você observar e se educar quanto o ambiente em que está inserido. Eu nunca chego em um hospital sabendo o que vou fazer. Eu não sei com o que vou estar lidando naquele dia. Então eu preciso prestar atenção ao meu ambiente e ao paciente. Ter a empatia de entender o que ele precisa naquele momento e para isso é imprescindível levar em consideração o limite da porta. É ali onde tudo começa. Os três públicos precisam de abordagens diferente, é claro. Por exemplo, uma abordagem infantilizada com um adolescente pode não ser tão eficiente em um primeiro momento, mas posteriormente pode ser que sim. Já com o adulto nós buscamos transmitir uma imagem de companheirismo, de alguém que está ali para ajudar a passar por aquela situação.
Vivalda Mafalda: Essa questão da porta é algo bem esclarecido durante os treinamentos. De aprender a respeitar esse limite, seja com a criança, o adolescente ou adulto. A empatia não é questão de regra, mas sim de fluxo da atividade. Se você trabalhar essa sensibilidade de entender o que o paciente quer e precisa você consegue de fato atingir todas as faixas etárias.
Associação Peter Pan: A Palhaçoterapia está integrada ao núcleo de Saúde Mental da Associação Peter Pan. Como esse trabalho vem sido desenvolvido?
Vivalda Mafalda: Nós visitamos os leitos semanalmente. Estabelecemos um dia fixo para gerar o hábito da intervenção. Essa continuidade é importante para entendermos o fluxo de acontecimentos de uma semana para outra. Dessa forma, você consegue estreitar os laços tanto com o paciente, quanto com o seu cuidador, a equipe médica e multidisciplinar. Além disso, nós não trabalhamos com números. Por exemplo, “Você tem um número X de leitos para atender”. Não funciona dessa forma. O paciente não é obrigado a nos receber, portanto eu não vou entrar. Mas isso não quer dizer que a intervenção não foi feita. Pelo contrário. Nós agimos respeitando aquele momento e espaço da criança.
Soneto Chopin: O palhaço no ambiente hospitalar ajuda o paciente a receber melhor os procedimentos médicos. Ele consegue fazer uma abertura para que equipe multidisciplinar possa desenvolver a parte técnica do tratamento. Já o Palhaço terapeuta vai além. Ele consegue transmitir ao médico qual abordagem terapêutica teve um melhor retorno, consegue passar o estado de espírito daquele paciente, inclusive comunicar algo que a criança não se sentiu à vontade para falar anteriormente com o médico.
Quem foi o Dr. Patch?
O Dr. Hunter “Patch” Adams, formado em Medicina, foi o “inventor” dos palhaços-clínicos, em atividade no mundo todo, nas clínicas, asilos e áreas de conflito. Um homem de humor, dr. Patch acreditava nas forças da cura de cada indivíduo por meio do riso e do humor direcionado. Um estudioso científico do assunto, definiu o ser humano como unidade de espírito, corpo , alma e razão. Fundou o GLAR (Globale Lach Revolucion – Revolução Global do Riso), instituições voltadas a pesquisas e estudos de Gelotologia (pesquisa do riso) que estão espalhadas pelo mundo inteiro. Serve de referência no mundo todo para mais de 30.000 mil grupos espalhados e que seguem a sua filosofia e princípios de que o “Riso cura e fecha muitas feridas da alma e do corpo”.
Assessoria de Comunicação da Associação Peter Pan